Márcio de Castro Silva Filho assume como diretor científico da FAPESP
O novo diretor científico da FAPESP, Márcio de Castro Silva Filho, assume o cargo em um contexto de mudanças globais catalisadas pela pandemia da COVID-19, que se refletem nas políticas de ciência e tecnologia adotadas em todo o mundo. Alguns dos desafios que o gestor terá de enfrentar nos próximos anos foram elencados em evento realizado na última sexta-feira (28), no auditório da Fundação, com a presença das principais lideranças do setor de ciência e tecnologia do país.
Entre eles destacam-se: reverter a queda de 35% na submissão de projetos e bolsas observada nos últimos dois anos, período em que muitas universidades e institutos tiveram suas atividades paralisadas ou reduzidas, fortalecer o apoio a jovens cientistas, dando-lhes condição de permanecer no país, e possibilitar o avanço de projetos científicos disruptivos e inovadores.
“É um privilégio participar de uma instituição que tem sido fundamental para o avanço da ciência e da tecnologia do Brasil, bem como para o desenvolvimento do nosso Estado. Assumo esta posição em um momento crítico para a ciência brasileira. O país enfrenta grandes desafios, incluindo a escassez de recursos, a falta de investimentos e o enfraquecimento das instituições de pesquisa. No entanto, acredito que esses desafios também representam uma oportunidade para a FAPESP e para a comunidade científica brasileira”, disse Castro durante a cerimônia de transmissão do cargo.
Na avaliação do novo diretor científico, que também é professor titular do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), os cientistas devem ser agentes da mudança, ajudando a superar obstáculos que dificultam o progresso e a construir uma sociedade mais justa e sustentável.
“Quero contribuir para uma FAPESP comprometida em fomentar a pesquisa em todas as áreas do conhecimento, incluindo ciências sociais e humanidades, a fim de que possamos entender melhor os desafios que enfrentamos e encontrar soluções mais abrangentes e integradas. É fundamental que a FAPESP tenha uma posição de liderança na cooperação nacional e internacional, promovendo intercâmbio de conhecimentos e experiências entre pesquisadores brasileiros e seus pares em todo o mundo”, afirmou.
A colaboração internacional, segundo Castro, será fundamental para o enfrentamento de desafios globais relacionados com as mudanças climáticas, a saúde pública e a segurança alimentar.
Luiz Eugênio Mello, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que ocupava o cargo desde abril de 2020, ressaltou a importância de a FAPESP participar ativamente de fóruns internacionais sobre fomento à ciência, como é o caso do Global Research Council (GRC) – entidade que reúne as principais agências financiadoras de pesquisa do mundo.
“Lideramos e participamos ativamente dos principais fóruns de discussão internacional sobre como fomentar a ciência, quais critérios usar e como avaliar os resultados do que financiamos. A participação ativa nesses múltiplos fóruns foi aspecto central no meu mandato à frente da diretoria científica”, afirmou.
Entre os avanços alcançados nos últimos anos Mello também destacou a revisão do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP) e as parcerias com secretarias estaduais que possibilitaram o lançamento de editais voltados a fomentar pesquisas que contribuam para a melhoria da educação básica e para o aproveitamento de resíduos urbanos e agroindustriais na produção de bioenergia.
“Tudo que pude fazer ao longo desses três anos é mérito de uma grande equipe. Assessores engajados, coordenadores dedicados e uma equipe técnica excepcional que compõe a Assessoria Científica. Foi uma honra ter recebido a incumbência de ser diretor científico da FAPESP”, afirmou Mello.
Em nome do Conselho Superior, o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, agradeceu a dedicação e seriedade com que Mello desempenhou sua missão ao longo dos três últimos anos, num momento particularmente difícil, afirmou, citando a pandemia de COVID-19. “Coube-lhe liderar a reação da FAPESP. Não sabíamos qual seria o futuro do mundo, da sociedade e, portanto, pisávamos num território absolutamente desconhecido. E isso não é coisa para principiante. Esta grande ameaça só pôde ser vencida pela ciência e a FAPESP teve um papel central na reação montada pelo Estado de São Paulo.”
Zago relembrou o impacto que o fechamento da sociedade e dos laboratórios teve sobre os estudantes e pesquisadores, assim como a suspensão das viagens nacionais e internacionais, o repatriamento apressado dos brasileiros no exterior e a queda no interesse pela maioria dos temas que não fossem diretamente ligados à pandemia. Outro reflexo da pandemia, na avaliação do presidente da FAPESP, foi o “crescimento na nossa sociedade de um demônio que estava dormente: o obscurantismo, o descrédito da ciência, a emergência dos porta-vozes do caos e do negacionismo associados ao extremismo político”.
Cenário futuro
O presidente da FAPESP listou uma série de desafios com os quais o novo diretor científico terá de lidar. Um dos principais é ampliar o apoio a jovens cientistas por meio da criação e do fortalecimento de laboratórios de qualidade, capazes de absorver esses recursos humanos.
“Neste ambiente, o crescimento proporcional do pós-doutorado será inevitável e nós temos de rever o discurso de que a pesquisa no país se apoia apenas na pós-graduação. Esse ambiente está mudando e nós temos que reconhecer e tomar medidas. Precisamos aprender a ler o presente com os olhos do futuro e não olhando para o passado”, defendeu Zago, acrescentando ser fundamental ouvir atentamente os jovens durante o processo de estruturação dos novos caminhos.
Na avaliação de Zago o progresso científico desacelerou nas últimas décadas e um dos desafios atuais é restabelecer a face disruptiva e criativa da ciência. “As universidades, os institutos de pesquisa e as agências como a FAPESP terão papel central para alcançar esse objetivo. O apego ao passado, a subordinação às minúcias do currículo e a subserviência à burocracia ritualística não podem continuar se superpondo à excelência de ideias inovadoras e audaciosas. Essa é nossa busca. Quem nunca apoia projeto de alto risco nunca vai financiar uma grande e inovadora descoberta. Esta será uma preocupação importante do novo diretor científico.”
O diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, Carlos Américo Pacheco, destacou que momentos de grandes desafios como o atual têm impulsionado grandes mudanças nas políticas de ciência e tecnologia no mundo inteiro. Como exemplo ele mencionou o contexto da Segunda Guerra Mundial, que levou ao desenvolvimento do Projeto Manhattan (que visava a construção de bombas atômicas pelos Estados Unidos), e o lançamento dos satélites russos Sputnik-1 e 2 (década de 1950), que motivou a criação da Nasa (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço) e do projeto Darpa (que tinha a meta de desenvolver estudos novos, revolucionários e de risco na área de defesa e que resultou no surgimento da internet). Citou ainda o crescimento do Japão na indústria de semicondutores, que motivou a terceira leva de reformas e que, em 1980, resultou no Bayh-Dole Act (legislação que autorizou universidades, instituições de pesquisa sem fins lucrativos e pequenas empresas a patentear e comercializar invenções desenvolvidas em programas de pesquisa financiados pelo governo federal).
“Agora vivemos um desses momentos, em parte por causa da pandemia e também pela rivalidade entre China e Estados Unidos, o que implica uma mudança radical das políticas de ciência e tecnologia do mundo inteiro. O Congresso americano consolidou um acordo que resultou na maior reestruturação da National Science Foundation [NSF] dos últimos 30 anos e na criação de uma diretoria transversal nova em tecnologias, inovação e parcerias. E o mundo inteiro está se movendo em torno disso. Esses modelos norte-americanos têm servido de inspiração para que a gente reflita sobre o que fazer”, afirmou.
Pacheco elencou ainda uma série de drivers (elementos direcionadores) que têm mobilizado as mudanças nas agências de fomento à pesquisa de todo o mundo, com destaque para alterações nos processos decisórios e de análise de projetos em busca de maior ousadia e risco. “Essa é uma discussão que não é simples de fazer. Todo mundo tem focado cada vez mais na agenda de inovação, porque as universidades estão se transformando em hubs de inovação. Todos têm buscado aproximar as políticas de apoio a pesquisa às políticas públicas e de desenvolvimento. Todos têm feito políticas explícitas de integridade da pesquisa [boas práticas, ciência aberta, diversidade, inclusão etc.] e se preocupado com o impacto da pesquisa em múltiplas dimensões, não só econômico ou na qualidade de vida, mas no avanço do conhecimento”, pontuou.
Na conclusão da cerimônia, o secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, Vahan Agopyan, relembrou a importância que a FAPESP teve ao longo de sua carreira científica e afirmou que, para o governo estadual, ciência, tecnologia e inovação são “tópicos imprescindíveis para o desenvolvimento”.
“Foi fundamental termos o apoio da FAPESP para as universidades e instituições paulistas durante essa crise sanitária. E faço votos de sucesso ao Márcio de Castro. Que os ventos sejam favoráveis e você possa engrandecer ainda mais a instituição”, disse Agopyan.
Também estiveram na cerimônia a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão, a presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), Vanderlan Bolzani, o presidente do Conselho Nacional de Educação, Luiz Roberto Liza Curi, e o diretor administrativo da FAPESP, Fernando Menezes, além de reitores, vice-reitores, três ex-presidentes do CNPq – Esper Abraão Cavalheiro, Glaucius Oliva e Evaldo Ferreira Vilela – e outros representantes das principais universidades e institutos de pesquisa paulistas.